Problemas há na vida de todos. O que muda é o modo de enfrentá-los. A palavra-chave é superação. A seguir, histórias incríveis de quem virou o jogo, como o ex-lixeiro que levou medalha de ouro no Pan e um corredor com pernas artificiais
“Na verdade eu não tenho certeza da minha idade. Quando fui encontrado pela minha mãe no Iraque, num orfanato, eu não tinha certidão de nascimento.Nasci no meio de uma zona de guerra. Eu e meu irmão fomos encontrados por freiras dentro de uma caixa de sapato. Levaram a gente para um orfanato. Ouvíamos tiros. Barulhos que não compreendíamos. Foi como se eu visse um anjo quando minha mãe, Moira Kelly, entrou no orfanato. Inicialmente, ela pagaria só nossas cirurgias, mas depois parece que ela se apaixonou pela gente. A minha mãe é a minha heroína. Ela trabalhou e se esforçou muito para mudar nossa vida. Algumas pessoas dizem que eu não tenho identidade, mas acredito que com a minha mãe vou conseguir fazer isso”, conta o iraquiano Emmanuel Kelly no programa “X Factory” – um tipo de “Ídolos” da Austrália –, antes de cantar “Imagine”, de John Lennon, e deixar os jurados e a plateia boquiabertos.
Não ter identidade ou o corpo imperfeito não impediu que o rapaz emocionasse o mundo com sua bela voz e sua história de superação. Pelo contrário. A história de Emmanuel inspira todos os dias milhares de pessoas que não desanimam diante dos problemas que a vida apresenta e mostram que são resilientes.
“Resiliência é a capacidade da pessoa cultivar crenças positivas quando enfrenta problemas, desenvolvendo assim habilidades de superação diante de desafios.
Há uma contribuição genética pequena, mas o grande percentual vem da contribuição no lar e no ambiente cultural em que a pessoa está inserida”, diz o psicólogo George Barbosa, membro da Sociedade Brasileira de Resiliência (Sobrare). Ou seja: buscar a superação depende de você, do ambiente em que vive e de suas próprias escolhas. Prova viva disto é a pedagoga e psicóloga Maria Dolores Fortes Alves, de 40 anos. Diagnosticada com artrite reumatoide infantojuvenil aos 6 anos, perdeu 70% dos movimentos corporais, mas não desistiu, mesmo escutando dos médicos que não viveria por muito tempo.
“Entrei na escola só aos 9 anos, porque não me aceitavam. Até que uma amorosa diretora me aceitou. A escola tinha diversos degraus que eu subia de joelhos, sentada ou carregada, mas era uma imensa alegria estudar. Faltava muito às aulas porque vivia internada e fazia fisioterapia, ou porque não tinha como me locomover até lá, pois não tinha cadeira de rodas. Comecei a trabalhar aos 13 anos, vendia de tudo. Nessa época, ia pra escola de carona com um vizinha e chegava 2 horas mais cedo. Usava esse tempo para ajudar outras crianças na lição. Comecei a dar aulas particulares. O valor era pouco, mas eu não dependia mais dos meus pais. Na faculdade, enfrentei o medo, a solidão, o preconceito e a falta de apoio, mas também muitas mãos amigas me acolheram. Eu tinha duas escolhas:: passar a vida reclamando, ou tentar ser feliz. Escolhi ser feliz”, relata Maria Dolores.
O suporte social é muito importante no momento da dor. Amigos e familiares estão diretamente ligados à felicidade. “Quanto mais gente te apoiar, maior é a chance de superação”, diz a psicóloga Lilian Graziano, doutora em psicologia pela USP e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento (IPPC).
É graças à família e ao treinador, Vitor Hugo Marcelino, que o ex-goleiro do São Paulo, Bruno Landgraf das Neves, de 25 anos, e sua parceira Elaine Cunha, de 29, vão disputar a vela na Paraolimpíada de 2012, em Londres. Ambos sofreram trágicos acidentes de carro em rodovias – Elaine ficou paraplégica e Bruno, tetraplégico. Eles se conheceram na fisioterapia. Por sugestão da fisioterapeuta, procuraram o Projeto Superação e começaram a praticar vela.
“Foram 8 meses só pra acertar a cadeira e mais 2 anos e meio treinando. Então nosso técnico falou que tínhamos potencial para disputar olimpíada. Nosso barco é adaptado e, quando chegamos na eliminatória, tivemos 3 ou 4 dias de treino em um modelo diferente. O vento também era mais forte. Mas conseguimos”, conta Bruno. A dupla forma a primeira equipe paraolímpica brasileira na modalidade Skud 18 de vela adaptada.
Bruno se acidentou em 2006 e passou 8 meses no hospital. Quando acordou do coma, a pior notícia não foi a de que estava tetraplégico. “Nunca fiquei desesperado. Triste foi saber que eu tinha perdido meus amigos Weverson e Natália” (que estavam com ele na hora do acidente). “Nunca desanimei. Hoje já tenho algum controle do tronco e força no punho, controlo meu pescoço e meu braço esquerdo. Cada dia é uma vitória”, diz. Já Elaine não ficou confortável com a notícia depois do acidente em 2007. “Foi desesperador. Naquele mesmo dia eu podia andar, dançar e em poucas horas soube que não poderia nem ficar de pé. Passei várias noites chorando e falando com Deus. Com o tempo vi que tinha duas opções: lutar ou atrofiar até morrer. Escolhi lutar. Sabia que teria que enfrentar meus preconceitos, medos e os preconceitos sociais. Aos poucos vi que podia fazer tudo o que gostava antes, que podia realizar muita coisa, que podia ser feliz, era só uma questão de aceitação. Não é fácil, mas a vida teria graça se fosse fácil?”, indaga.
A velejadora tem toda razão quando fala em aceitação. “A cada obstáculo vencido, você recupera a autoestima. A cada vitória, você passa a gostar mais de si mesmo”, define Lilian. Parece até que se superar vicia: o corredor sul-africano Oscar Pistorius, que teve as pernas amputadas com 1 ano de idade, decidiu ir além dos campeonatosespeciais: quer correr com atletas nas olimpíadas convencionais. Em 2008, o pedido foi negado – porque usa pernas de fibra de carbono que, em teoria, lhe dariam alguma vantagem sobre os demais. Recorreu da decisão e vai disputar as Olimpíadas de Londres. “Me perguntam sempre se gostaria de ter o resto das pernas. Digo ‘não’. É inconveniente ter de tirar e colocar as pernas, mas não há nada que uma pessoa normal faça que eu não possa fazer”, disse o atleta à revista “Wired”.
Outra história de superação é a do ex-lixeiro Solonei Rocha, de 29 anos, que foi do trabalho de coletor a medalhista de ouro na maratona do Pan de Guadalajara em só 2 anos. Ele corria 25 quilômetros por dia atrás do caminhão, o que lhe rendeu bom preparo físico. Ele já arriscava algumas corridas até que o médico Mauro Moreira, do time de atletas de Penápolis (sua cidade natal), sugeriu que ele fizesse um teste. Com bom desempenho, foi “adotado” por Moreira, que bancou seu treinamento em Bragança Paulista. “Tenho que agradecer à família Moreira. Sem eles não estaria aqui. Acreditaram em mim quando precisei parar de trabalhar para treinar”, disse o corredor. Quanto à antiga profissão, Solonei nunca esquece. “Não tenho vergonha de dizer que fui lixeiro. Hoje todos os lixeiros e garis do Brasil são medalha de ouro”, falou após a prova.
“O filósofo alemão Friedrich Nietszche (1844-1900) tem uma frase que explica a capacidade humana de se superar: ‘O que não me destrói, me fortalece’. Ou seja, ao passarmos por situações difíceis ou tristes vivências de desamor, as pessoas mudam. Ou a pessoa será destruída ou ela se fortificará”, diz a psicoterapeuta Léa Michaan, autora do livro “Maly – Superação em Forma de Ficção”. “O melhor modo de nos tornarmos mais fortes é tendo contato com a realidade, a dor, para treinar a mente a achar saída para as dificuldades”, diz.
Por: Kátia Mello – Folha Universal
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