Gonçalo Borges:Exemplo de superação

por pedro alves vpr em força jovem

O sorriso no rosto de Gonçalo Borges parece que não combina com o restante do  corpo: mãos atrofiadas, braços tortos e um pé com movimentos naturalmente diferenciados. Mas quando ele começa a contar sua história de vida, aquela alegria contagia e faz entender que a falta de alguns movimentos, não é tão importante assim. Não para ele.

Dizer que alguém nasceu com uma doença congênita parece ser algo triste, mas isso depende muito de quem foi que chegou ao mundo. Como ele nunca teve os movimentos das mãos e braços, foi natural transferir para os pés a função de pegar, fechar, escrever, arrastar e, por que não, desenhar?

O terceiro de cinco irmãos e filho de pais humildes, Gonçalo nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Nova Horizonte, em uma casinha simples, pelas mãos valiosas de sua avó. “Minha mãe não fez pré-natal e quando eu nasci não tínhamos condições de estar em um hospital, com toda a estrutura. Minha avó foi quem me trouxe ao mundo e viu pela primeira vez minha deficiência física”, conta ele.

Seu corpo diferente talvez seria um motivo para que ele não desejasse estar perto de outras pessoas. Mas ele não tem esse peso, essa culpa por ser assim. A felicidade de estar vivo sempre o impulsionou a ir adiante e a superar obstáculos durante toda a sua vida. “Eu jamais imaginei que seria referência para as pessoas, mas isso aconteceu porque eu superei minhas dificuldades”, reconhece.

Ainda bebê, seus pais foram para a capital paulista em busca de tratamento médico, mas foi em vão. “Quando meu pai percebeu que eu passaria por cirurgias que não trariam resultados efetivos, ele desistiu”, destaca.

Na infância, sua desenvoltura em fazer tudo com os pés, chamava a atenção dos amiguinhos na rua. “Eu sempre me diverti e tive uma infância normal, como a de qualquer outra criança. As pessoas ficavam impressionadas com as minhas habilidades e até me chamavam para jogar pedra nas casas com os pés. Coisas normais de uma infância gostosa e sadia”, diverte-se.

Em contraponto à liberdade entre amigos e pessoas queridas, aos seis anos, Gonçalo viveu a primeira imposição da vida: a rejeição da escola, sob o argumento de que “seria muito diferente dos outros alunos”. Isso levou seus pais a procurarem uma instituição específica. “Mesmo eu não sendo um caso de reabilitação, eu consegui ficar na AACD, o que foi muito bom e extremamente proveitoso. Antes eu fazia tudo só com os pés e lá me ensinaram a usar a boca, e foi quando eu comecei a ter contato com as tintas, pinceis, além de aprender a nadar, a fazer artesanato”, conta. Esse tempo foi tão especial, que ele realizou alguns trabalhos para campanhas educativas.

Gonçalo e sua família sempre foram além do que os olhos podiam enxergar. Aos 13 anos, ele saiu da AACD, pois não tinha mais o que aprender por lá. Foi quando começou outra luta para que continuasse a estudar. A busca incansável dos pais resultou na vaga em uma escola regular.

E seu caminho já estava pintado em uma tela que ele ainda não sabia muito bem que percorreria. A direção para ele traçar sua vida chegou aos 16 anos, quando um amigo comentou sobre ele com a pessoa certa. “Ele era motoboy e foi comprar uns cartões de natal em uma associação. Lá, comentou sobre mim e um dos diretores quis me conhecer. Desde então, eu comecei a fazer parte e nunca mais parei de pintar para eles”, conta emocionado ao relembrar quando entrou na Associação dos Pintores com a Boca e os Pés.

Uma situação atípica e também outro obstáculo de sua vida foi quando desejou ter sua carteira de habilitação, mas com um detalhe: dirigir com os pés. “O Detran (Departamento Estadual de Trânsito) e o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) nunca haviam se deparado com uma situação como a minha. Foi outra luta para ter um direito que é meu, pois eu havia passado por todos os exames obrigatórios e hoje sei sinalizações que a maioria não sabe, como uma placa que indica um deficiente auditivo”, orgulha-se.


Casado pela segunda vez, Gonçalo é pai de duas meninas: Aparecida de 9 anos e Elena de um. Fabiana Teles, sua esposa, conta que ela também já passou por preconceito por viver com ele. “Muitos pensaram que era baixa autoestima, me dizendo que eu tinha capacidade de conquistar alguém sem deficiência, como se ele fosse pior do que qualquer outra pessoa”, conta.

Ela diz também que, ao contrário do que muitos pensam, ele não depende tanto dela. “Eu não faço o que ele consegue fazer. Mesmo assim, é muito melhor fazer qualquer coisa para quem realmente precisa, do que fazer para uma pessoa acomodada, que espera tudo na mão”, explica ela.
Na própria casa fica nítida a habilidade de Gonçalo nas ferramentas que ele mesmo cria para seu bem-estar: barbeador fixo na mesa, mouse no chão, fone para atender ao telefone, além do carro todo adaptado. “Eu utilizei aquele abafador de ruídos, usado pelos trabalhadores de fábricas, para conseguir trocar a marcha do carro”, explica ele, ao mostrar o veículo.
Mas ele queria ir além: ser ilustrador. Para isso, ele fez duas faculdades, uma de comunicação e outra de educação artística. “Não consegui nenhum emprego fixo. Só um freelancer de ilustração, apresentando meus trabalhos para clientes. Fiz também anúncios para revista técnica. Mas não permaneci na profissão, pela não-aceitação das pessoas. Então, aprendi a fazer serigrafia”, explica.
Com experiência em serigrafia – um processo de impressão no qual a tinta é vazada – ele resolveu ultrapassar o seu próprio obstáculo: se tornou empresário. E tudo se desenvolveu muito rápido. “Os clientes que me pediam folhetos, começaram a solicitar também para que eu encontrasse quem fazia objetos de acrílico, então, montei a minha própria empresa com os dois tipos de serviços, mas sem deixar de pintar para a associação.”
Até 2002 Gonçalo se aventurou a ser empresário de outros tipos de serviços e até a trabalhar com eventos. “Eu não sabia o que era dia ou noite, dormia poucas horas. Eu não aguentava mais, até que larguei toda esta loucura e fiquei só com a pintura.”





Ele pensou que tudo ficaria mais calmo, somente com seus desenhos. Mas, não contava que sua história de vida havia ficado famosa. Ele se tornou incentivo para todos aqueles que, com todos os membros do corpo funcionando muito bem, não conseguem realizar metade do que Gonçalo faz. “Em 92, uma empresa de treinamento me encontrou e fizemos vídeos corporativos. Essas imagens chegaram até em outros países. Na época, ganhei muito dinheiro, mas hoje esse material já está na internet”, conta.
Atualmente, Gonçalo se vê como uma pessoa “realizada em todos os sentidos”. Sua vontade de se superar o levou a um sucesso imensurável. “Tudo é uma questão de superação. É a mente que comanda tudo. Quem quer, faz! Tudo depende da pessoa”, ensina ele.
Para ele, a vida é uma lição de semeadura. “Eu sempre digo: o que você fez para que a vida te recompense? Se praticou o bem, correu atrás do seu progresso, você terá adiante um ótimo resultado. Foi exatamente isso que aconteceu na minha vida.”



Link deste post:
http://fjblogger.com/tapanaforcajovem/2011/08/06/goncalo-borgesexemplo-de-superacao/